MURRAY BOOKCHIN
Uma das características
da Ecologia é a de não estar perfeitamente contida no
nome - cunhado por Haeckel, em 1866, para indicar a "investigação
da totalidade das relações do animal tanto com seu ambiente
inorgânico como orgânico". No entanto, concebida de
maneira ampla, a Ecologia lida com o equilíbrio da natureza.
Visto que a natureza inclui o homem, esta ciência trata da harmonização
da natureza e do homem. Esta abordagem, mantida em todas as suas implicações,
conduz às áreas do pensamento social anarquista. Em última
análise, é impossível conseguir a harmonização
do homem com a natureza sem criar uma comunidade que viva em equilíbrio
permanente com o seu meio ambiente.
As questões com que a
Ecologia lida são permanentes: não se pode ignorá-las
sem pôr em risco a sobrevivência do homem e do próprio
planeta. No entanto, hoje, a ação humana altera virtualmente
todos os ciclos básicos da natureza e ameaça solapar a
estabilidade ambiental em todo o mundo.
As sociedades modernas, como
as dos Estados Unidos e Europa, organizam-se em torno de imensos cinturões
urbanos, de uma agricultura alta mente industrializada e controlando
tudo, um inchado, burocratizado e anônimo aparelho de estado.
Se colocarmos todas as considerações de ordem moral de
lado e examinarmos a estrutura física desta sociedade, o que
nos impressionará são os incríveis problemas logísticos
que ela deve resolver: transporte, densidade, suprimentos, organização
política e econômica e outros. O peso qu tal tipo de sociedade
urbanizada e centralizada acarreta sobre qualquer área oriental
é enorme.
A noção de que
o homem deve dominar a natureza vem diretamente da dominação
do homem pelo homem. Esta tendência, antiga de séculos,
encontra seu mais exarcebado desenvolvimento no capitalismo moderno.
Assim como os homens, todos os aspectos da natureza são convertidos
em bens, um recurso para ser manufaturado e negociado desenfreadamente.
Do ponto de vista de Ecologia,
o homem está hipersimplificando perigosamente o seu ambiente.
O processo de simplificação do ambiente, levando ao aumento
do seu caráter elementar - sintético sobre o natural,
inorgânico sobre o orgânico - tem tanto uma dimensão
física quanto cultural. A necessidade de manipular imensas populações
urbanas, densamente concentradas, leva a um declínio nos padrões
cívicos e sociais. Uma concepção massificadora
das relações humanas tende a se impôr sobre os conceitos
mais individualizados do passado.
A mesma simplificação
ocorre na agricultura moderna. O cultivo deve permitir um alto grau
de mecanização - não para reduzir o trabalho estafante
mas para aumentar a produtividade e maximizar os investimentos. O crescimento
das plantas é controlado como em uma fábrica: preparo
do solo, plantio e colheitas manipulados em escala maciça, muitas
vezes inadequados à ecologia local. Grandes áreas são
cultivadas com uma única espécie - uma forma de agricultura
que facilita não só a mecanização mas também
a infestação das pragas. Por fim, os agentes químicos
são usados para eliminar as pragas e doenças das plantas,
maximizando a exploração do solo.
Este processo de simplificação
continua na divisão regional do trabalho. Os complexos ecossistemas
regionais de um continente são submersos pela organização
de nações inteiras em entidades economicamente especializadas
(fornecedoras de matéria-prima, zonas industriais, centros de
comércio).
O homem está desfazendo
o trabalho orgânico da evolução. Substituindo as
relações ecológicas complexas, das quais todas
as formas avançadas de vida dependem, por relações
mais elementares, o homem está restaurando a biosfera a um estágio
que só é capaz de manter formas simples de vida, e incapaz
de manter o próprio homem.
Até recentemente, as tentativas
de resolver contradições criadas pela urbanização,
centralização, crescimento burocrático e estatização
eram vistas como contrárias ao progresso e até reacionárias.
O anarquista era olhado como um visionário cheio de nostalgia
de uma aldeia camponesa ou de uma comuna medieval. O desenvolvimento
histórico, no entanto, tornou virtualmente sem sentido todas
as objeções ao pensamento anarquista nos dias de hoje.
Os conceitos anarquistas de uma comunidade equilibrada, de uma democracia
direta e interpessoal, de uma tecnologia humanística e de uma
sociedade descentralizada não são apenas desejáveis,
eles constituem agora as pré-condições para a sobrevivência
humana. O processo de desenvolvimento social tirou-os de uma dimensão
ético-subjetiva para uma dimensão objetiva.
A essência da mensagem
reconstrutiva da Ecologia pode ser resumida na palavra "diversidade".
Na visão ecológica, o equilíbrio e a harmonia na
natureza, na sociedade e, por inferência, no comportamento, é
alcançado não pela padronização mecânica,
mas pelo seu oposto, a diferenciação orgânica.
Vamos considerar o princípio
ecológico da diversidade no que se ele aplica à biologia
e à agricultura. Alguns estudos demonstram claramente que a estabilidade
é urna função da variedade e da diversidade: se
o ambiente é simplificado e a variabilidade de espécies
animais e vegetais diminui, as flutuações nas populações
tornam-se marcantes, tendem a se descontrolar e a alcançar as
proporções de uma peste.
O ambiente de um ecossistema
é variado, complexo e dinâmico. As condições
especiais que permitem grandes populações de uma única
espécie são eventos raros. Conseguir, portanto, gerenciar
adequadamente os ecossistemas deve ser o nosso objetivo.
Manipular de tato o ecossistema
pressupõe uma enorme descentralização da agricultura.
Onde for possível, a agricultura industrial deve ceder lugar
à agricultura doméstica. Sem abandonar os ganhos da agricultura
em larga escala e da mecanização, deve-se, contudo, cultivar
a terra como se fosse um jardim. A descentralização é
importante tanto para o desenvolvimento da agricultura quanto do agricultor.
O motivo ecológico pressupõe a familiaridade do agricultor
com o terreno que cultiva. Ele deve desenvolver sua sensibilidade para
as possibilidades e necessidades do terreno, ao mesmo tempo que se torna
parte orgânica do meio agrícola. Dificilmente poderemos
alcançar este alto grau de sensibilidade e integração
do agricultor sem reduzir a agricultura ao nível do indivíduo,
das grandes fazendas industriais para as unidades de tamanho médio.
O mesmo raciocínio se
aplica ao desenvolvimento racional dos recursos energéticos.
A Revolução Industrial aumentou a quantidade de energia
utilizada pelo homem, primeiro por um sistema único de energia
(carvão) e mais tarde por um duplo (carvão-petróleo,
ambos poluentes). No entanto, podemos aplicar os princípios ecológicos
na solução do problema. Pode-se tentar restabelecer os
antigos modelos regionais de uso integrado de energia baseado nos recursos
locais usando um sofisticado sistema que combine a energia fornecida
pelo vento, a água e o sol.
Essas alternativas em separado
não podem solucionar os problemas ecológicos criados pelos
combustíveis convencionais. Unidos, contudo, num padrão
orgânico de energia desenvolvido a partir das potencialidades
da região, elas podem satisfazer as necessidades de uma sociedade
descentralizada.
Manter uma grande cidade requer
imensas quantidades de carvão e petróleo. No entanto,
as fontes alternativas fornecem apenas pequenas quantidades de energia
para usá-las de modo efetivo, a megalópolis deve ser descentralizada
e dispersa. Um novo tipo de comunidade, adaptada às características
e recursos da região e com todas as amenidades da civilização
industrial, deve substituir os extensos cinturões urbanos atuais.
Resumindo a mensagem critica
da Ecologia: a diminuição da variedade no mundo natural
retira a base de sua unidade e totalidade, destruindo as forças
responsáveis pelo equilíbrio e introduz uma retrogressão
absoluta no desenvolvimento do mundo natural, a qual pode resultar num
ambiente inadequado a formas avançadas de vida. Resumindo a mensagem
reconstrutiva: se desejamos avançar na unidade e estabilidade
do mundo natural, devemos conservar e promover a variedade.
Como aplicar estes conceitos
à teoria social? Tendo-se em mente o princípio da totalidade
e do equilíbrio como produto da diversidade, a primeira coisa
que chama a atenção é que tanto ecólogo
como anarquista colocam uma ênfase muito grande sobre a espontaneidade.
O ecólogo tende a rejeitar a noção de "poder
sobre a natureza". O anarquista, por sua vez, fala em termos de
espontaneidade social, dando liberdade a criatividade da pessoas. Ambos,
ao seu modo, vêm a autoridade como inibidora, como um limitante
à criatividade potencial dos meios social e natural.
Tanto o ecólogo como o
anarquista vêem a diferenciação como uma medida
de progresso, para ambos uma unidade sempre maior é alcançada
pelo crescimento da diferenciação. Uma crescente totalidade
é criada pela diversificação e aprimoramento das
partes.
Assim corno o ecólogo
busca ampliar um ecossistema e promover a livre interação
entre as espécies, o anarquista busca ampliar as experiências
sociais e remover as restrições ao seu desenvolvimento.
O anarquismo é urna sociedade harmônica que expõe
o homem aos estímulos tanto da vida agrária como urbana,
da atividade física e da mental, da sensualidade não reprimida
e da espiritualidade autodirigida, da espontaneidade e da auto-disciplina
etc. Hoje, esses objetivos são vistos como mutuamente excludentes
devido à própria lógica da sociedade atual -- a
separação da cidade e do campo, a especialização
do trabalho, a atomização do homem.
Uma comunidade anarquista deverá
aproximar-se de um ecossistema bem definido: será diversificada,
equilibrada e harmônica. A procura da auto suficiência levará
a um uso mais inteligente e amoroso do meio-ambiente, permitindo o contato
dos indivíduos com uma vasta gama de estímulos agrícolas
e industriais. O engenheiro nãu estará separado do solo,
nem o pensador do arado ou o fazendeiro da indústria. A alternância
de responsabilidades cívicas e profissionais criará uma
nova matriz para o desenvolvimento individual e comunitário,
evitando a hiperespecialização profissional e vocacional
que impediria a sociedade de alcançar seu objetivo vital: a humanização
da natureza pelo técnico e a naturalização da sociedade
pelo biólogo.
Nas comunidades ecológicas
a vida social levará ao incremento da diversidade humana e natural,
unidas em harmônica totalidade. Haverá uma colorida diferenciação
dos grupos humanos e ecossistemas, cada um desenvolvendo suas potencialidades
únicas e expondo os membros das comunidades a um leque de estímulos
econômicos, culturais e comportamentais. A mentalidade que hoje
organiza as diferenças entre o homem e outras formas de vida
em esquemas hierárquicos e definições de "superioridade"
e "inferioridade", dará lugar a uma visão ecológica
da diversidade. As diferenças entre as pessoas não só
serão respeitadas mas estimuladas. As relações
tradicionais que opõem sujeito e objeto serão alteradas
qualitativamente, o "outro" será concebido como parte
individual do todo que se aprimora pela complexidade. Este sentido de
unidade refletirá a harmonização dos interesses
entre indivíduos e grupo, comunidade e ambiente, humanidade e
natureza.
Murraw Bookchin
Condensado e adaptado de "Ecology
and Revolutionary Thought".
In, "Post-Scarcity Anarchism"
Revista
Utopia #1