Hegemonia ou Sobrevivência
Nota da Redacção:
Este artigo foi transcrito do "Znet sustainers program";,
que envia quotidianamente aos subscritores uma análise de
fundo sobre um assunto de actualidade. Este artigo de Noam Chomsky
foi publicado em duas metades, a 3 e 4 Julho passados. Agradecemos
à Znet (www.zmag.org) a possibilidade de podermos publicar
em primeira mão um tão interessante texto em tradução
portuguesa.
No final de Junho,
a Conferência da ONU sobre Desarmamento concluiu a segunda
das suas sessões do ano de 2001. As perspectivas de qualquer
avanço construtivo no que toca a esforços de desarmamento
são ténues. As discussões têm sido bloqueadas
pela insistência dos EUA em prosseguir os programas de defesa
por mísseis balísticos (DMB), contra uma oposição
quase-unânime.
Sobre a finalidade
da DMB, existe um grau elevado de acordo num leque alargado de opinião.
Os adversários potenciais olham-no como uma arma ofensiva.
A SDI ("Guerra das Estrelas";) de Reagan foi vista sob
o mesmo prisma. O negociador oficial da China sobre o controlo de
armamento apenas reflectiu o entendimento comum quando observou
que "quando os EUA se convencerem de que possuem tanto uma
longa lança, como um forte escudo, poderão ser levados
a concluir que podem destroçar qualquer país em qualquer
parte do mundo sem perigo de retaliação. Muitos outros
bombardeamentos, como os que ocorreram no Kosovo, poderão
ter lugar";. Esta é a reacção da maior
parte do mundo ao que é considerado uma espécie regresso
às "guerras de canhoneiras"; de há um século,
em que as "potências coloniais do Ocidente, com esmagadora
superioridade tecnológica, subjugavam nativos e países
fracos, incapazes de se defenderem";, fazendo o que lhes apetece
embora "encapotados numa pretensa rectidão moral";
(Amos Gilboa, analista militar israelita). A reacção
à Guerra dos EUA-GB no Golfo foi muito semelhante por parte
das "nações indefesas e populações
nativas"; tradicionais. Felizmente para a sua auto-imagem,
a ideologia do Ocidente está bem protegida de tais desvios
de pensamento e comportamento correcto.
A China também
está plenamente consciente da sua vulnerabilidade. Sabe que
os EUA e a NATO se reservam o direito de iniciativa na utilização
de armas nucleares e sabe, tão bem como os analistas militares
dos EUA que "os aviões EP-3 dos EUA que sobrevoam zonas
fronteiriças da China…não o fazem por mera vigilância
passiva; os aparelhos recolhem igualmente informações
utilizadas para implementar planos de guerra nuclear"; (William
Arkin, Bull. of Atomic Scientists, Maio/Junho 2001).
Os estrategas militares
canadianos preveniram o seu governo que o objectivo da DMB "provavelmente
tem mais a ver com a preservação da liberdade de acção
dos EUA/NATO, do que com o receio de uma eventual ameaça
Norte-Coreana ou Iraniana";. Com o que concordam proeminentes
analistas de estratégia militar. A DMB facilitará
uma aplicação mais eficaz do poderio militar externo
dos EUA. Andrew Bacevich escreve (National Interest, Verão
2001): "Ao pôr o território nacional a coberto
de retaliações "; embora de modo limitado ";
a defesa por mísseis vai sustentar os EUA no seu desejo e
capacidade de "moldar"; o ambiente noutros locais";.
O referido autor cita e concorda com a conclusão de Lawrence
Kaplan: "A defesa por mísseis não é realmente
destinada a proteger a América. É um instrumento de
domínio global";, para a "hegemonia";.
Que tal objectivo
deverá ser assumido por todos os bem pensantes decorre imediatamente
dos princípios da opinião "respeitável";
que "define os parâmetros em que o debate político
se processa";. O espectro é muito vasto: exclui apenas
"restos dispersos dos isolacionistas de linha dura"; e
"uns poucos radicais isolados, nostálgicos dos dias
de glória dos anos sessenta";, e tem "tão
grande peso que se supõe imune a desafios"; (Bacevich).
O primeiro princípio é óbvio: "A América
como vanguarda histórica";. De acordo com este princípio
incontestável, "a história tem uma direcção
e destino discerníveis. De entre todas as nações
do mundo, só os EUA compreendem e manifestam os objectivos
da história";, nomeadamente, "a liberdade, realizada
pela expansão do capitalismo democrático, e consubstanciada
no American Way of Life";. Consequentemente, a hegemonia dos
EUA é a realização dos objectivos da história;
truismo mais que óbvio, "virtualmente imune a contestações";.
O princípio
não é inédito, nem tão-pouco são
os EUA os únicos na história a comprazerem-se no chauvinismo
enfatuado de pensadores domésticos.
Em contraste, o
objectivo oferecido ao público—protecção
contra "estados-bandidos";—não é tomado
muito a sério. A não ser que apostasse no suicídio
colectivo instantâneo, nenhum estado iria disparar mísseis
contra os EUA. Existem, de resto, processos muito mais fáceis
e seguros de infligir enormes danos no seu território. "Quem
duvide de que terroristas poderiam contrabandear uma ogiva nuclear
para dentro de Nova Iorque, basta notar que eles podem facilmente
dissimulá-la num carregamento de marijuana";, comentava
sardonicamente um analista conhecido. Outro faz notar que "uma
bomba nuclear que pudesse facilmente varrer Manhattan e matar 100
000 pessoas é uma bola de plutónio pesando 15 libras.
Ela é ligeiramente maior que um balão de rugby. Tal
bomba poderia ser transportada para o interior dos EUA numa mala
de viagem. E se uma pode, muitas podem.";
As armas nucleares
não são, claro, as únicas armas de destruição
em massa (ADM): as armas químicas e biológicas são
provavelmente uma ameaça maior para os países ricos
e poderosos. O tratado de 1997, que baniu as armas químicas,
está moribundo, em grande parte porque os EUA não
financiaram inspecções e outras acções,
Washington troçando do tratado ao auto-excluir-se efectivamente
da sua implementação, como fez notar um analista veterano
do Henri Stimson Center. A proibição de armas biológicas
foi sabotada pela insistência dos EUA em limitar as inspecções
"por forma a proteger as companhias farmacêuticas e de
biotecnologia americanas";. A administração Bush,
conforme foi noticiado, tenciona rejeitar o projecto de tratado
resultante de seis anos de negociações sobre os meios
de verificação do cumprimento do tratado de 1972 sobre
a proibição de armas biológicas (NYT, 27 de
Abril, 20 de Maio, 2001).
Aparte isto é
bem conhecido que a mais séria ameaça à segurança
dos EUA (e do mundo) é o vasto sistema soviético de
armas nucleares, com sistemas de segurança e de comando-e-controlo
em crescente deterioração à medida que a economia
se afunda em consequência das reformas neoliberais. Os negociadores
de Clinton encorajaram a Rússia a adoptar a estratégia
de Washington de disparar com aviso para aliviar as preocupações
russas quanto à DMB e à anulação do
tratado ABM, uma proposta que um perito comentou "ser bastante
bizarra"; porque "se sabe que o sistema de alarme está
cheio de buracos";. Um disparo acidental tornou-se nos últimos
tempos uma hipótese perigosamente provável Clinton
tinha um pequeno programa de assistência à Rússia
para protecção e desmantelamento de armas nucleares,
que providenciaria empregos alternativos aos cientistas nucleares.
Uma equipa bipartidária do Departamento de Energia solicitou
um forte aumento do financiamento de tais programas O co-presidente
Howard Baker, ex-leader da maioria republicana do Senado, testemunhou
em Abril à Comissão Senatorial dos Negócios
Estrangeiros que "realmente me perturba que possa haver 40.000
armas nucleares… na ex-União Soviética, deficientemente
controladas e armazenadas, sem que isso ponha o mundo em estado
de quase histeria acerca do perigo";. Um dos primeiros actos
da administração Bush foi o de reduzir esses programas,
aumentando os riscos de disparo ocasional e fuga de armamento nuclear
para outros países, incluindo os "Estados Bandidos";
a que Washington tanto alude, assim como de cientistas nucleares
sem outra possibilidade de aplicação dos seus conhecimentos.
As propostas russas duma acentuada redução de mísseis,
muito abaixo das de Bush, foram rejeitadas.
É comum dizer-se
que a DMB não funcionará. Possibilidade muito mais
perigosa é a de parecer realizável.; quando se trata
de sobrevivência a aparência pode ser interpretada como
realidade. A espionagem dos EUA prevê que qualquer desenvolvimento
impelirá a China a construir novos mísseis nucleares,
decuplicando o seu arsenal nuclear, provavelmente com ogivas múltiplas
(MIRV), "provocando idêntica escalada na Índia
e no Paquistão"; e com verosímil repercussão
no Médio Oriente. As mesmas análises e outras concluem
que, para a Rússia, "a única resposta racional
será manter e reforçar o seu actual arsenal nuclear";.
Na conferência da ONU sobre o Tratado de Não Proliferação,
em Maio de 2000, houve uma ampla condenação da DMB
com o argumento de que deitaria por terra décadas de acordos
de controlo de armamentos e provocar nova corrida armamentista.
Mas tanto republicanos como democratas insistem na DMB, embora a
velocidades diferentes.
O general Lee Butler,
antigo chefe do Comando Estratégico dos EUA (1992-94), considera
"extremamente perigoso que, no caldeirão de animosidades
que chamamos Médio Oriente, uma nação (Israel)
se tenha ostensivamente armado com pilhas de armas nucleares, talvez
na ordem das centenas, o que incita outras nações
a fazer outro tanto. O memorando do acordo de Outubro de 1998 entre
os EUA e Israel, reforçando as suas relações
militares e estratégicas, foi geralmente interpretado como
significando que os EUA consideram o arsenal nuclear de Israel "como
um factor positivo no equilíbrio regional de poder, que deve
ser apoiado e incrementado (Relatório Especial da Fundação
para a Paz no Médio Oriente, Inverno 1999). A partir de 1998,
a política não-oficial dos EUA foi a de aumentar em
60 milhões de dólares a ajuda militar anual a Israel.
Em Janeiro de 2001, a administração cessante de Clinton
anunciou que essa política deverá manter-se até
2008, altura em que os anteriores 1,8 biliões de dólares
terão atingido os 2,4 biliões. Clinton também
recomendou que Israel figurasse entre os primeiros a receber os
aviões a jacto F-22 em fase de desenvolvimento. Em Junho
a força aérea de Israel anunciou a compra de 50 jactos
F-16 no montante de 2 biliões de dólares, largamente
financiados através da ajuda militar dos EUA, pouco depois
de ter utilizado os seus F-16 de origem americana para bombardear
alvos civis palestinianos. Os EUA e Israel realizam exercícios
regulares conjuntos em segredo, dado que Israel se converteu em
base militar avançada dos EUA (sobre estes programas ver
William Arkin, Washington Post, 7 de Maio de 2001).Segundo a imprensa
israelita um desses exercícios conjuntos, em Setembro de
2000, foi consagrado aos planos para a reconquista por Israel dos
enclaves transferidos para a administração palestiniana;
fuzileiros navais dos EUA proporcionaram treino em armas de que
Israel não dispunha e "em técnicas de combate
americanas";. Aquilo que já é "extremamente
perigoso"; vai tornar-se mais perigoso ainda à medida
que o renovado ímpeto dos EUA para a proliferação
de armas de destruição em massa vá produzindo
os seus previsíveis efeitos, aumentando de novo a ameaça
à segurança e até mesmo à sobrevivência
de todos nós.
Estes planos podem
parecer irracionais, mas apenas se se valorizar mais a sobrevivência
do que a hegemonia. A história da corrida aos armamentos
revela um cálculo bem diferente. Há 50 anos, a única
ameaça (então apenas potencial) à segurança
dos EUA eram os MBIC (Mísseis Balísticos Inter Continentais).
A URSS teria provavelmente aceite um tratado que cancelasse o desenvolvimento
de tais armas, dado o seu atraso nesse campo. Na sua história
de corrida aos armamentos, McGeorge Bundy referiu não ter
podido encontrar registo de qualquer interesse americano em explorar
essa possibilidade. Os arquivos russos recém desclassificados
reforçam fortemente a tese de analistas americanos de alto
nível de que, após a morte de Stalin, Krutchev apelou
à redução mútua das forças militares
ofensivas e, na ausência de resposta positiva de Washington,
implementou-as unilateralmente contra o parecer do seu comando militar.
Os arquivos dos EUA revelam o pouco interesse da administração
Eisenhower por um desarmamento negociado e por outros passos destinados
a suavizar as tensões internacionais. Os estrategas de Kennedy
partilhavam sem dúvida a convicção de Eisenhower
de que "uma grande guerra destruiria o hemisfério Norte";.
Também conheciam os passos dados unilateralmente por Krutchev
para reduzir drasticamente as forças ofensivas soviéticas,
e igualmente sabiam que os EUA estavam muito à frente em
qualquer parâmetro significativo. No entanto, optaram por
rejeitar o apelo à reciprocidade de Krutchev, preferindo
levar a cabo um enorme incremento das forças convencionais
e nucleares, pregando assim o último prego no caixão
do "desígnio de Krutchev de refrear os militares soviéticos";
(Mattew Evangelista, Projecto de História da Guerra Fria,
Dez. 1977).
É por demais
evidente que tem havido poucas novidades nas preferências
Clinton-Bush.
Os observadores
acham "um paradoxo"; que um país disposto a gastar
mais de 100 biliões de dólares num projecto de eficácia
não comprovada como este de alvejar e destruir ogivas nucleares
à medida que entram na atmosfera não aceita pagar
menos de um milésimo daquela soma para tentar impedir que
plutónio venha a cair nas mãos dos "Estados-bandidos";,
a despeito de saberem que "qualquer "bomba-de-bandido"
tem muito mais probabilidades de chegar numa mala, camião
ou navio do que um míssil cujo disparo é conspícuo
e tem claro remetente"; (Julian Borger, Guardian Weekly, Maio
24). Outras opções correntes que aumentam a ameaça
à sobrevivência parecem, à primeira vista, igualmente
paradoxais. O paradoxo resolve-se quando os valores da hegemonia
e da sobrevivência são adequadamente categorizados
e outras vantagens dos programas militares a que voltaremos são
contabilizadas.
Tal como Vijay Prashad
assinalou no seu recente (18 de Junho) comentário sobre as
IDE (Iniciativa de Defesa Estratégica) e DMB (Defesa de Mísseis
Balísticos) o objectivo primordial não é a
DMB mas o controlo do espaço, que também é
um programa bipartidário. Estes factos cruciais chegaram
ao conhecimento público com a informação do
Secretário da Defesa Donald Rumsfeld de que seriam reforçados
os programas espaciais do Pentágono ";aumentando acentuadamente
a importância do espaço exterior do planeamento estratégico";.
Os novos planos apelam ao "desenvolvimento de sistemas de armamento
para o espaço exterior";, à "projecção
de poderio"; a partir do espaço, o que significa "colocar
armas ofensivas no espaço"; (NYT, 8 de Maio; Christian
Science Monitor, 3 de Maio). Os planos foram delineados no relatório
do segundo painel de Rumsfeld, publicado em Janeiro (o primeiro,
em Outubro de 1998, prevenia acerca da ameaça de ataques
por mísseis, tendo aparentemente influenciado Clinton na
decisão de acelerar os programas da DMB). O relatório
do segundo painel conclui que a militarização do espaço
é "uma certeza virtual"; e apela para o desenvolvimento
de armas anti-satélites (ASATs) (em violação
do tratado ABM de 1972) e para a colocação de armas
no espaço (em violação do Tratado do Espaço
Exterior de 1967).
Ao rever estes planos
em Foreign Affairs (Maio de 2001), Michel Krepon, anterior presidente
do Henry Stimson Center, faz notar que encerram uma contradição
interna: os ASATs são bastante mais fáceis de produzir
que as DMB e a posse de ASATs pelo adversário anulará
a eficácia de qualquer plano DMB ao destruir os satélites
em que este se baseia. A contradição só pode
ser superada "se se dominar completamente o espaço das
formas sugeridas pelo relatório Rumsfeld"; com armas
ofensivas e uma escalada na corrida aos armamentos espaciais dado
que os outros tomarão inevitavelmente contramedidas. Pelo
que recomenda, em vez disso, o reforço dos actuais tratados
"; que, faz notar, têm sido respeitados. Isto faria sentido
se o objectivo fosse sobrevivência e não hegemonia.
O Comando Espacial
dos EUA afirma que "no futuro, ser capaz de atacar alvos terrestres
a partir do espaço poderá ser indispensável
para a defesa nacional. Este comando está, por consequência
a identificar activamente potenciais papeis, missões e custos
para este provável e novo campo de batalha";. As bases
lógicas desta posição são explicadas
na sua brochura "Visão para 2020";. O objectivo
primário é anunciado na capa de forma patente: "dominar
a dimensão espacial das operações militares
para proteger os interesses e investimentos dos EUA";. Esta
é a fase seguinte da tarefa histórica das forças
militares. "Durante a expansão americana para Oeste,
postos avançados e cavalaria emergiam para proteger as nossas
colunas de carroças, povoações e vias férreas";
"; agindo somente em autodefesa, subentenda-se, talvez perseguindo
os esforços bem intencionados mas improfícuos para
"conduzir, guiar e ajudar os nativos americanos (entre outros)
para o lado certo da história (Bacevich), a missão
histórica da América no mundo. E "as nações
constroiem armadas para proteger e incrementar os seus interesses
comerciais";. Segue-se logicamente que as forças espaciais
devem similarmente proteger "os interesses nacionais (militares
e comerciais) e investimentos dos EUA";. O papel dos EUA no
espaço seria comparável ao das "armadas que protegiam
o comércio marítimo"; ainda que agora com um
único poder hegemónico, bem mais avassalador que a
Armada Britânica nos séculos passados.
O comando espacial
está evidentemente consciente do dilema de Krepon, e planeia
superá-lo através da "Dominação
de Espectro Total";: domínio militar esmagador em terra,
no mar, no ar e no espaço, de modo a que os EUA sejam "preeminentes
em qualquer tipo de conflito";, na paz ou na guerra. A necessidade
de um tal poderio crescerá em virtude da crescente "globalização
da economia";, que se prevê trará consigo um "alargamento
do fosso entre ricos e pobres";, uma estimativa partilhada
pelos serviços de espionagem dos EUA nas suas projecções
para 2015 (contrariamente às teorias económicas subjacentes,
mas de acordo com a realidade). O alargamento do fosso pode conduzir
a agitação nos países pobres, que os EUA devem
estar prontos para controlar usando "sistemas espaciais e planeando
ataques de precisão a partir do espaço"; como
"contrapeso à proliferação mundial de
sistemas de ogivas múltiplas"; por elementos insubmissos
"; uma consequência previsível dos programas recomendados,
tal como o "alargamento do fosso"; é consequência
antecipável da forma de "globalização";
pela qual se optou.
O Comando Espacial
poderia ter expandido a sua analogia às "armadas que
protegiam o comércio marítimo"; e aos militares
que "defendiam"; interesses expansionistas. Armadas e
militares em geral desempenharam um papel proeminente no desenvolvimento
tecnológico e industrial ao longo da era moderna. E também
na consolidação das grandes empresas: o conhecido
pacifista Andrew Carnegie beneficiou largamente de contratos de
construção naval para a edificação da
primeira empresa de 1 bilião de dólares, a US Steel.
A militarização do espaço oferece oportunidades
similares na era actual. "Em termos de potencial tecnológico
internacional"; escreve o historiador da economia Clive Trebilcock,
"a capacidade para produzir "; em torno de 1910 ";
veículos espaciais. A tarefa de construir grandes máquinas
para disparar projecteis de uma plataforma móvel para um
alvo em movimento era um dos problemas de engenharia mais complexos
na altura, conducentes a avanços importantes na metalurgia,
na electrónica, nas máquinas-ferramentas e nos processos
de manufactura. Canhões de tiro rápido e produção
de espingardas sofisticadas colocavam também desafios de
engenharia e manufactura que podiam ser assumidos por indústrias
"civis"; graças a contratos governamentais que
"desempenharam um papel vital ao removerem as barreiras de
risco da produção em massa"; e na investigação
e desenvolvimento (I&D) preliminares. Os resultados foram transferidos
directamente para a indústria automóvel e outras grandes
indústrias modernas. Há um século esta evolução
foi um grande passo em frente relativamente a ataques anteriores,
quando as "manufacturas de Sistema Americano"; estarreceram
o mundo, baseadas em 40 anos de investimento e desenvolvimento no
Departamento de Ordenança dos EUA na Alemanha de Springfield
e noutros sítios, estabelecendo as bases de "Uma revolução
na produção em massa";. Anteriormente, os avanços
na fundição de canhões em meados do século
XVIII constituiram "a base para a produção de
ferre e a utilização de máquinas a vapor e
foram "decisivos na produção da indústria
em larga escala, criando de facto o sistema fabril";. Os mesmos
factores persistiram após a II Guerra mundial, mas com um
salto qualitativo em frente, desta vez principalmente nos EUA, uma
vez que o complexo militar proporcionou a cobertura para a criação
dos núcleos fundamentais da economia moderna de alta tecnologia.
Nenhum dos beneficiários quer ver encerrado aquilo que Trebilcock
chama "o banco militar, que através do recurso às
finanças públicas se mostro capaz de pagar generosamente
o desenvolvimento científico";, bem como o tecnológico
e o industrial.
A promoção
da indústria de ponta tem sido o objectivo prioritário
do planeamento militar desde a II Guerra Mundial, quando os principais
homens de negócios reconheceram que a indústria de
alta tecnologia não poderia sobreviver numa economia de "livre
empresa"; e de que o "governo é o seu único
salvador possível (Fortune, Business Week). A Iniciativa
de Defesa Estratégica de Regan foi apresentada nesta base
ao mundo empresarial. A manutenção de "uma base
industrial de defesa"; "; ou seja, de indústria
de alta tecnologia "; foi um dos factores que o presidente
Bush trouxe à atenção do Congresso quando apelou
à manutenção do orçamento do Pentágono
imediatamente depois da queda do Muro de Berlim ter eliminado o
pretexto russo. A militarização do espaço é
o passo natural seguinte, que a previsível corrida aos armamentos
impulsionará ainda mais. Outros estão igualmente conscientes
do seu potencial económico. Recuando da sua posição
crítica inicial, o chanceler alemão Gerhard Schroeder
afirmou em Março que a Alemanha teria um "interesse
económico vital"; em desenvolver tecnologia DMB, e deve
ter garantia de que "não será excluída";
do trabalho tecnológico e científico relacionado com
esta área. Espera-se que a participação em
programas DMB possa de modo geral fortalecer as bases industriais
europeias (veja-se Defense Monitor, Março 2001).
Foi por estas razões
que os EUA recusaram recentemente juntar-se ao resto do mundo na
reafirmação do Tratado do Espaço Exterior (a
que aderiu Israel em 1999 e 2000, e a Micronésia em 2000)
e tem bloqueado desde a reabertura das sessões em Janeiro
as negociações da Conferência da ONU sobre o
Desarmamento. A China e a Rússia apelaram à desmilitarização
do espaço; a Rússia propôs maiores avanços,
incluindo a redução do número de ogivas para
1500 e a criação de zonas livres de armas nucleares.
"Os EUA são a única das 66 nações
membros a opor-se a encetar negociações formais sobre
o espaço exterior";, segundo relatou a Reuters em Fevereiro;
isto foi igualmente relatado em Desert News Salt Lake City), virtualmente
a única cobertura jornalística da Conferência
pelos meios de comunicação norte-americanos. A 7 de
Junho a China apelou de novo ao banimento de armas no espaço
exterior, mas os EUA recusaram, tendo "bloqueado firmemente
o início das negações na Conferência
da ONU sobre Desarmamento sobre a prevenção da corrida
aos armamentos no espaço exterior"; (Financial Times,
8 de Junho).
Uma vez mais, isto
só faz sentido se a hegemonia, com os seus benefícios
a curto prazo no interesse da elite, for mais valorizada que a sobrevivência
na escala de valores operativos.
Noam Chomsky
CMI
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