Murray
Bookchin
O termo “grupos de afinidade” é
a tradução do espanhol “grupos de afinidad”,
nome de um tipo de organização criada na época
anterior a Franco e que serviu de base à temível F.A.I.
(que congregava os militantes mais idealistas da C.N.T., a imensa
organização anarcosindicalista). Criar hoje uma imitação
servil do tipo de organização e dos métodos utilizados
pela F.A.I. não seria possível, nem desejável.
Os anarquistas espanhóis da década de 30 certamente
enfrentavam problemas sociais inteiramente diferentes daqueles com
que hoje se defrontam os anarquistas americanos. O modelo, entretanto,
tem certas características que podem ser aplicadas a qualquer
situação social, e que muitas vezes foram adotadas intuitivamente
pelos radicais americanos que chamaram as organizações
resultantes de “coletivas”, “comunas” ou “famílias”.
Os grupos de afinidade poderiam ser facilmente
considerados como um novo tipo de prolongamento da família,
em que os laços de parentesco foram substituídos por
um relacionamento humano extremamente intenso, relacionamento que
é alimentado por idéias e práticas revolucionárias
comuns. Muito antes que a palavra “tribo” ganhasse popularidade
no movimento da contracultura americana, os espanhóis anarquistas
já chamavam suas reuniões de “asambleas de las
tribus” – assembléias das tribos. Cada grupo de
afinidade tem um número limitado de participantes para garantir
o maior grau de intimidade possível entre seus membros. Autônomos,
comunitários e francamente democráticos, os grupos combinam
as teorias revolucionárias a um estilo de vida e um comportamento
igualmente revolucionários, criando um espaço livre
onde os seus integrantes podem reestruturar-se, tanto individual quanto
socialmente, como seres humanos. Grupos de afinidade pretendem funcionar
como catalisadores dentro do movimento popular, não como “vanguardas”;
eles proporcionam iniciativa e conscientização, não
um estado-maior e uma fonte de comando. Os grupos proliferam em nível
molecular e têm um “movimento Browniano” próprio.
A união ou separação de cada grupo é determinada
pelas circunstâncias do momento e não por ordens burocráticas
vindas de um centro distante. Durante períodos de opressão
política, os grupos de afinidade são altamente resistentes
à infiltração policial. Devido ao alto grau de
intimidade que existe entre os participantes, muitas vezes se torna
difícil penetrar no grupo e, mesmo quando isto acontece, não
há um mecanismo centralizado que dê aos infiltrados uma
visão geral do movimento como um todo. Mesmo sob condições
tão difíceis, os grupos de afinidade ainda conseguem
manter contato através da literatura e de revistas.
Durante períodos de atividade mais intensa,
por outro lado, nada impede que os grupos trabalhem juntos em qualquer
nível que se fizer necessário. Eles podem unir-se através
de grupos locais, regionais ou nacionais para formular planos de ação
comum; podem criar comitês temporários (como os que congregavam
estudantes e operários franceses em 1968) para coordenar determinadas
tarefas. Entretanto, os grupos de afinidade sempre têm suas
raízes nos movimentos populares e são sempre leais às
formas sociais criadas pelos revolucionários, não a
uma burocracia impessoal. Como resultado de sua autonomia e regionalismo,
os grupos são capazes de manter uma avaliação
crítica sensível sobre as novas perspectivas. Intensamente
experimentais e diversificados quanto ao estilo de vida, eles funcionam
como uma fonte de estímulo mútuo, influenciando também
o movimento popular. Cada grupo procura adquirir os recursos necessários
para funcionar com quase total autonomia, desenvolvendo um perfeito
sistema de conhecimentos e experiências para vencer as limitações
sociais e psicológicas impostas pela sociedade burguesa ao
desenvolvimento individual. Agindo como um núcleo de conscientização
e experiência, cada grupo tenta levar adiante uma forma de movimento
revolucionário espontâneo do povo, fazendo-o atingir
um ponto em que o grupo possa finalmente desaparecer, integrando-se
às formas sociais orgânicas criadas pela revolução.
Por Murray Bookchin, em Anarquismo pós-escassez.
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