A
Ecologia Social é pelegagem ou a Pedagogia Libertária é mera retórica,
para um falar e agir intelectualmente "confortante"?
Todas
as idéias novas e constatação de fatos quando concebidos ou descobertos,
a princípio, sempre são recebidos com a "desconfiança" do preconceito
e a sua decorrente animosidade e desvalorização. Isto para apresentar
uma forma mais amena de contrariedade.
Vide
o que ocorreu com "livres–pensadores" como Copérnico, Giordano Bruno
e Galileu Galilei na assim chamada idade média. Homens que podem representar
o advento da série de questionamentos em diversos setores do saber
e na visão de mundo que desembocou no "Renascimento" cultural e a
redescoberta do próprio Ocidente.
No
caso de Copérnico foi uma profunda e radical mudança de paradigma,
chamada de revolução Copernicana, que consistiu na teoria de que a
terra move-se em torno do sol e não o inverso, que era postulado dogmaticamente
pela igreja. Consiste na oposição do geocentrismo da igreja ao heliocentrismo
de Copérnico, pela qual a detentora do monopólio ideológico perdia,
e perdeu, muito de sua influência e poder.
Em
seguida, com o "Renascimento", como autoproclamado pelos estetas da
época, surgiram novos paradigmas como o antropocentrismo, que colaborou
para a desconstrução do teocentrismo até este momento dominante neste
processo de transformações do Ocidente.
Decorreu
em seguida o mercantilismo, a reforma protestante e o racionalismo
cartesiano, de base "mecanicista" e etc. sendo que este último erigiu–se
como uma "nova moral religiosa da modernidade" e sua conseqüência
direta foi uma visão extremamente utilitarista do mundo, subordinando–o
à sua lógica "analógica", "analítica" e "digital", antes da cibernética,
com os seus: racional ou irracional, certo ou errado, lucrativo ou
não.
Este
tipo de visão tem como prioridade secionar, atomizar o conhecimento
e a sua experiência. Ele vê as partes de uma árvore ao invés da árvore,
ou de um bosque. "Adestra" a visão do homem em relação ao mundo e
à "natureza", das coisas a uma determinada lógica. Este paradigma
gera um "conforto", uma "conformidade" do pensamento no que ele poderia
inspirar de reflexões mais instigantes, obscuras e ansiosas, pois
as grandes questões não-eleitas como utilitárias ou importantes, e
a própria reflexão sobre esses valores, são deixadas de lado. É um
"conforto" que gera "conformismo" intelectual e pensamento estático.
Ela divide, escrutina, separa, seciona o conhecimento e conquista
o imaginário social diminuindo o poder de intervenção e elaboração
simbólica de outros saberes como as culturas e tradições ancestrais
em relação à natureza, sua ética e visão do mundo e para com o mundo.
Estamos
numa época de profundos conflitos, gerados pela "globalização". Também
dentro desta conjuntura há o florescimento, e o resgate de outras
visões de mundo, ou o surgimento de outras. Podemos afirmar que estamos
caminhando, se não houver nenhum "acidente", para uma provável nova
"revolução Copernicana". Mas deixemos este ponto para mais adiante.
Falemos agora das polêmicas surgidas dentro do "movimento libertário"
a partir destas novas conjunturas.
Com
a derrocada dos regimes do capitalismo estatal, como ex–URSS e leste
europeu, ou seja, o fim da "guerra fria", com o mundo todo se tornando
um imenso burgo lamacento, onde espaços antes ocupados no imaginário
social, e antes de tudo nos movimentos sociais, em que esquerda fetichizava
o operário industrial urbano e colonizava com o seu programa outros
setores, tais como camponeses, favelados e contestações de fundo étnico,
dando–lhes uma dinâmica monolítica e unidimensional, e com a falência
deste projeto, novos movimentos e alternativas começaram a surgir
ocupando estes espaços, dentro de uma enorme multiplicidade. Estes
movimentos são de todos os tipos e aspectos. Muitos são meras reivindicações
como princípios em si mesmos, como o movimento dos consumidores "conscientes".
Outros de perfil que poderíamos chamar "não rigidamente" de "libertários".
E muitos outros fundamentalistas, como os religiosos, nacionalistas
e "Nazis".
Dos
anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização
das teses e práticas "libertárias anarquistas", o surgimento e valorização
de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais,
gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira "febre"” que é o "movimento
ecológico internacional", sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço
teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra "Campos,
fábricas e oficinas", de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais
importantes é sintomático em relação a isto, "pensar globalmente,
agir localmente". Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias
intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande "aldeia–livre".
Estas
novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo
ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda
seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos
não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana
poderá silenciosamente responder.
Para
assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser
exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente
a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á
tratar deste tema como um todo.
Com
a popularização das "teses" políticas e ecológicas colocadas em pauta
em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas
vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia
social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a
obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador
do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia
Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada
na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada
pela "eco-guerrilha", ou sabotagem ecológica, pela organização chamada
Earth First!, "A Terra Primeiro!", fundada inicialmente nos EUA em
1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos
princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente
descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.
Entre
estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente
no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem
muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas
sociais de excessivamente "antropocêntricos", preocupados apenas com
a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida,
o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria
forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de
matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma
das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de
misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente "biocêntrica".
Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como
podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin
no seu trabalho "Por uma ecologia social", reconheça a proximidade
nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação
libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem
a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma
do credo industrial capitalista.
Para
complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas
portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin
de "neo–anarquistas" de direita, que abandonaram "a luta dos trabalhadores".
Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos
anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto.
Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações
são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real,
feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros
sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs
em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias
ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões.
Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo
ainda está atrelado ao paradigma da "luta econômica industrialista",
sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não
são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa
concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover
a luta econômica industrial com tintas "anárquicas", mas estes hoje
apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente
ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.
Em
relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão
às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito
com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se
observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste
numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como
tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil,
a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas
esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade,
e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados
anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta
última esfera por parte de outros ecólogos sociais.
No
caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto
de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana
ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por
parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização
política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há
a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação
animal.
A
EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas
e das mentalidades. As suas "ações diretas" de eco-sabotagem são contra
os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal
é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais.
Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido
bastante o número de militantes de orientação anarquista.
Visto
isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da
qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação
"profunda" da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas
de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes.
A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre
um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente
que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores,
têm a tendência há um certo "fundamentalismo biológico preservacionista",
e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas
o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na
esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se
estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a "comunidade
humana". Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas
propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão
mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida.
Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta
visão se amplie.
Estas
teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas,
práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis
aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais
pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito,
mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível
florescer uma "Ecologia social de visão profunda" como uma linha de
interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico,
multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa
própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática
e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências
infundadas ou talvez preconceituosas.
Dado
que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma
estranha doença "da auto-afirmação", depois de anos de inação e auto-enclausuramento
em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar
para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia,
que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos
vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos
principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada
apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe
média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros
e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais
vitais para a nossa sociedade.
Pois
é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista,
“industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de
globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida
ameaçando severamente a Mãe Terra.
A
militância libertária para este princípio de terceiro milênio além
de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas
populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional,
ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares
filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições,
saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares
e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais
“originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais
o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto
com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.
Neste
tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado
que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa
o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho
sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica.
Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos
a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e
lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós
todos ou uma casta genocida?
Tanto
se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares
na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira
e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma
Holístico é uma janela que se abre para esta questão.
Afinal
de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não
é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência
disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus,
por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes
surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas”
e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais,
internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais
culturais comunitários.
O
que se entende por "libertários" são aqueles que lutam e ao mesmo
tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma
idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como,
ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada,
fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes
princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos
sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no
México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global
dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando,
agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro
adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor
de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em
“rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”
Desconstruindo
quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas
mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização
econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária
em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações
da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora.
Características típicas da economia capitalista.
Pode-se
afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária
e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas
de valores supõem.
Para
esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a
leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os
irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius
Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin,
Lewis Munford e Pierre Clastres.
Concluindo,
para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica,
de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da
tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação
popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental.
E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático:
pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada
à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da
comunidade feita em regime de mutirão.
A
pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na
ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.
Coletivo
Domingos Passos - São Gonçalo, 2001.